Olá,
O Diário de uma jornalista está em clima de carnaval! O post de hoje vai contar a história de uma carioca ilustre, Chiquinha Gonzaga.
A lua branca continua iluminando os céus do Rio de Janeiro. Há 79 anos,
em pleno carnaval, a música brasileira perdia sua primeira maestrina,
Chiquinha Gonzaga, uma mulher a frente do seu tempo que foi protagonista
da sua história. Contra tudo e contra todos, em uma sociedade
patriarcal, ela foi em busca do seu sonho e conquistou o público. A
biógrafa de Chiquinha, Edinha Diniz, contou o que a faz ser única.
“Na época ninguém ousava tanto, as mulheres tocavam piano, era um instrumento muito feminino. Mas elas pareciam não ultrapassar a sala de visitas. O que é absolutamente novo em Chiquinha Gonzaga é que ela pula a janela.”, afirmou Edinha.
No século XIX podemos ver o surgimento de duas mulheres à frente de seu
tempo no Brasil. Com uma diferença de 26 anos da data dos seus
nascimentos, Chiquinha Gonzaga e Anita Garibaldi viveram em uma
sociedade na qual as mulheres não tinham voz. Anita nasceu em 1821 e foi
condenada pela sociedade catarinense por abandonar seu marido para
fugir com o guerreiro Giuseppe Garibaldi. Já Chiquinha, que nasceu em
1847, foi acusada de adultera e foi vista com maus olhos pela sociedade
carioca por ter abandonado seus filhos, preço que pagou ao se separar de
Jacinto Ribeiro do Amaral.
Anos mais tarde, ambas tiveram o reconhecimento no Brasil e no
exterior. Anita ficou conhecida como a “heroína de dois mundos” por ter
lutado com Giuseppe na Europa e na América Latina. Chiquinha foi a
primeira mulher brasileira a reger uma orquestra no país e foi aclamada
pelo público, o melhor prêmio para o artista.
Carioca, filha de um general do exército, José Basileu Gonzaga, e de
uma simples mestiça, Rosa Maria Neves de Lima, Chiquinha cortou os laços
que a impediam de seguir seu maior sonho: ser uma musicista. “Lua
Branca”, “Atraente” e “Ô Abre Alas” são alguns de seus muitos sucessos,
que tiveram como inspiração a cidade do Rio de Janeiro e a cultura que
estava começando a ser criada.
Não foi uma dama da corte como sonhava seu pai, mas foi reverenciada
pelo público. A cidade do Rio de Janeiro foi o cenário dos principais
acontecimentos na vida de Chiquinha: a Rua do Ouvidor, onde dava aulas
de piano, a Confeitaria Colombo, local de vários encontros com músicos, e
sua casa em vários pontos da cidade, onde recebia amigos como o
compositor Joaquim Callado e fazia suas composições.
Sua
vida se mistura com a história do Brasil, passou pelo Império, viu a
tão sonhada abolição da escravidão e o nascimento da República. Casou-se
aos 16 anos, por vontade dos pais e contra vontade foi parar na Guerra
do Paraguai para acompanhar seu marido. O primeiro escândalo para a
sociedade foi seu divórcio.
Chiquinha escolheu o piano ao invés de um casamento sem amor. Ela
afirmava que não era possível viver uma vida sem harmonia. Começou a dar
aulas de piano e dos conhecimentos que tinha adquirido para se tornar
uma dama para conseguir seu próprio dinheiro. Edinha Diniz contou que
sua trajetória foi um misto de pioneirismo e coragem.
“Foi uma trajetória de muito sucesso e de pioneirismo. As mulheres que se profissionalizavam naquela época colocavam em risco a sua reputação. Tudo isso foi novo e muito escandaloso.”, contou Edinha.
Há 30 anos Edinha Diniz publicou a biografia de Chiquinha Gonzaga,
trazendo fatos de sua vida pessoal e da sua história profissional. Em
2009 publicou uma nova edição com novos fatos sobre a vida da maestrina,
como a ação judicial do divórcio. Ela foi acusada de adultera e o
tribunal concedeu seu divórcio em 1887, um século antes de se tornar um
direito civil, como afirmou sua biógrafa. Uma nova documentação
possibilitou ampliar o campo de pesquisa com a descoberta de episódios
inéditos da vida da compositora.
No Instituto Moreira Salles existe um acervo de Chiquinha Gonzaga. Ao
andarmos pelas ruas do centro do Rio de Janeiro também podemos encontrar
um pedaço da história da maestrina. A força do tempo e a modernização
da cidade deixaram espaços históricos cada vez mais esquecidos. Uma das
casas em que Chiquinha morou, na Rua do Riachuelo, foi parcialmente
destruída por um incêndio e hoje está tomada por moradores de rua. Muitas
pessoas passam pela Praça Tiradentes não imaginam que lá foi o placo de
diversas peças teatrais e espetáculos nos cineteatros.
Os espaços de memória não estão sendo conservados e parte da história
da cidade acaba sendo perdida A museóloga Anne Barcelos que trabalha no
Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro contou que a falta de
incentivo do governo é o principal fator que dificulta a preservação dos
lugares históricos da cidade.
“Os museólogo eternizam o tempo, lidando e preservando o bem material e imaterial. Com isso, posso dizer que há dificuldades sim em se criar espaços de memórias no Rio de Janeiro e no resto do Brasil. Prova disso é o baixo investimento do governo brasileiro no ministério da cultura.”, afirmou Anne.
Chiquinha tinha alma de cigana e gostava de mudar sempre de lugar. Em
87 anos de vida morou em diversos pontos da cidade. O Centro foi o lugar
onde passou a maior parte da sua vida, sendo a sua última residência na
Rua D. Pedro I, no Edifício Gaetano Segreto, em frente ao Teatro Carlos
Gomes. Mas Chiquinha também passou por outros bairros como Santa
Teresa, São Cristóvão, Tijuca, Vila Isabel e outros.
A maestrina criou uma música popular brasileira, misturando o ritmo
europeu com o africano. Além do amor à música, Chiquinha despertou o
amor de muitos homens. Sua paixão na juventude foi o engenheiro João
Batista de Carvalho, com quem teve uma filha, Alice. Anos mais tarde a
compositora encontra o grande maestro Carlos Gomes, compositor da ópera
“O Guarani”. Mas o amor por suas convicções e pela música sempre foi
maior que tudo.
O trabalho que Chiquinha desenvolveu só podia ser feito no Rio, a
capital onde tudo acontecia. O tipo de música que estava nascendo era
formado da mistura que pulsava pelas ruas do Rio de Janeiro. Foi a época
de formação da música popular brasileira, um momento que ainda existia
uma fronteira tênue entre o clássico e o popular. Segundo Edinha, o
sucesso de Chiquinha só foi possibilitado na cidade do Rio. Junto com
seu amigo flautista Antônio Callado, o pianista Ernesto Nazaré e o
maestro Anacleto de Medeiros, ajudou a criar o Choro, um novo estilo
musical genuinamente brasileiro.
O carnaval também foi um marco na sua vida. Inspirada nos ensaios da
Rosas de Ouro, ela criou a primeira marchinha de carnaval, “O Abre
Alas”. Edinha Diniz revelou que a sua maior contribuição para o carnal
foi a canção. Sempre a frente de seu tempo, Chiquinha criou a canção de
carnaval 18 anos antes do habito se popularizar. “Ela batizou a festa
com uma canção”, afirmou Edinha. A vocação da cidade do Rio para festas
fez com que a canção logo se tornasse um sucesso.
Os tempos mudaram assim como a música brasileira. O Rio de Janeiro
também se transformou. No entanto o passado nunca muda e Chiquinha
estará sempre viva no imaginário popular e imortalizada por suas
composições. Seu legado para a música brasileira conta com uma obra
estimada de 2 mil canções e 77 partituras para peças de teatro, como o
Forrobodó, a comédia dos costumes cariocas, que foi apresentada no
Teatro São José, em 11 de junho de 1912.
Ela pode não ter sido um exemplo de comportamento para sua época mais
conquistou o que poucas mulheres tinham, a liberdade. Chiquinha Gonzaga
nasceu no século XIX, mas foi uma mulher do século XXI. Trouxe questões
da mulher moderna, como o trabalho feminino, a violência domestica e o
direito de ser dona do seu próprio destino.
Aos 52 anos, Chiquinha conheceu o seu último amor, que por coincidência
do destino tem o nome do seu amor da juventude, João Batista, com quem
passou o resto da vida. Joãozinho, como era conhecido João Batista
Fernandes Lage, tinha 16 anos quando conheceu a maestrina. A diferença
de idade, 36 anos, foi mais um choque para a sociedade. Para não criar
mais alvoroço, Chiquinha preferiu adotar João como filho para que as
pessoas não soubessem que, na verdade ele era seu companheiro, fato que
poucas pessoas eram capazes de aceitar na época.
O romance só foi descoberto anos mais tarde, através de cartas e fotos.
Chiquinha morreu em 28 de fevereiro de 1935, ao lado de Joãozinho no
ano em que o Brasil era comandado por Getúlio Vargas.
Beijos,
Nenhum comentário:
Postar um comentário